domingo, 26 de abril de 2009

Sensações do Vinho



Um dos enólogos portugueses mais conhecidos e reconhecidos aquém e além fronteiras, que já teve oportunidade de provar profissionalmente muitos dos melhores vinhos do mundo, disse-me um dia que o vinho que melhor lhe soube em dias de vida não tinha qualquer marca! Depois, em jeito de confidência, espraiou-se em longas e emotivas explicações sobre o local em que isso sucedeu e, sobretudo, as circunstâncias. É claro que, apesar de estar num pequeno restaurante à beira mar plantado, me lembro de ele o ter classificado como “um simpático e tradicional tasco”, estava num momento da sua vida pessoal de grande mudança; a altura do dia, bem como a companhia terão certamente ajudado à apreciação do tal vinho. Acresce que a pessoa em causa, grande conhecedora das coisas do vinho, é invulgarmente despretensiosa…

Não tenho dúvidas de que a apreciação do vinho – como a generalidade das apreciações, graças a Deus! – é carregada de subjectividade e, consequentemente, de um conjunto de circunstâncias de natureza pessoal. Alguns pretendem atribuir foros de “objectividade” à soma de opiniões subjectivas – normalmente resultantes dos chamados painéis de prova. Porém, tenho para mim que uma avaliação subjectiva, por natureza, nunca pode ser objectivada, por mais consensual que seja. No entanto, as revistas da especialidade têm por hábito atribuir pontuações aos vinhos, as quais decorrem normalmente dos resultados dos já referidos painéis de prova. Outras vezes, emergem as opiniões de um ou outro guru da prova, pretensamente com um palato superior, cujas opiniões fazem oscilar o preço do vinho com mais furor do que a bolsa de valores em tempo de crise. O que é que isso vale? Será que umas opiniões (sim, são apenas opiniões!) valem mais do que outras? Manifestamente, sim! Em meu entender e contrariamente à opinião dominante, o principal problema deste fenómeno não é a quase inevitável oscilação do valor do vinho. Não. A questão reside na tentação que muitos produtores têm de, na elaboração do seu produto, o aproximarem dos gostos dominantes para efeitos de prova. Este “movimento” gera um desvirtuar das características próprias dos diversos vinhos. Acentua-se o que muitos chamam já de “parkerização” dos vinhos, em desfavor da “terroirização”. Acentua-se a uniformização dos vinhos, em desfavor da sua identidade e carácter. Os referidos painéis de prova são normalmente compostos por “profissionais”, ou seja, por pessoas que são consideradas especialistas na matéria. Raramente são compostos por simples apreciadores de vinho. Há, desde logo, duas grandes diferenças. Antes de mais, o primeiro grupo – os profissionais – fazem apreciações técnicas. Acredito mesmo (como, penso, eles próprios também) que tentam ser objectivos (!), utilizando matrizes elaboradíssimas e terminologia pouco menos do que inventiva. Os segundos dão apenas conta do seu gosto, da sua apreciação pessoal. Por outro lado, os primeiros têm por objectivo confessado influenciar os compradores. Já os segundos compram. O facto de o vinho estar inequivocamente na moda e ter tido uma impressionante evolução, sobretudo na última vintena de anos, tem óbvios efeitos nos consumidores. O enorme aumento do leque de consumidores traz, também, muita confusão. Quem nasceu na cultura do vinho e foi habituado a beber vinho desde novo, tem um conjunto de critérios para a sua apreciação. Mesmo que não tenha um nariz de excelência, tem memória (os dois factores essenciais da prova). Ao contrário, quem bebe vinho porque está na moda tem outros critérios, normalmente menos estruturados e mais influenciáveis.

Todo este arrazoado tem um só objectivo: sem querer negar que os conselhos dados por personalidades ou por painéis de prova podem ser de grande utilidade, nada substitui as sensações, necessariamente individuais, que o vinho provoca em cada um de nós.

Manuel de Novaes Cabral
Wine 32

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