quinta-feira, 16 de abril de 2009

Ambientes Urbanos e Rurais



À vinha, associamos normalmente os bacêlos, as plantações das mais diversas formas e feitios, o trabalho agrícola, as movimentações sazonais da poda, as sulfatações e as vindimas, as bíblicas parras, as elegantes gavinhas, os úberes cachos de uvas ou os troncos das videiras, que indiciam a sua idade. À vinha associamos também todo o trabalho de surriba destinado a preparar o terreno para a sua plantação e, depois, o tratamento desse mesmo terreno, bem assim como a complexa organização necessária à vindima e o complexo e exigente processo que conduz à produção de vinho, ou seja, o sumo da uva depois de fermentado.

Já ao vinho associamos todo o vasilhame necessário: das dornas às pipas, das cubas aos tonéis, dos garrafões às garrafas. Associamos ainda todo o movimento ligado à armazenagem e exportação, a imensidão de caixas de madeira ou de cartão, bem como todas as questões relacionadas com o “marketing”: como fazer passar a mensagem de uma região, de um produtor ou de um vinho, a publicidade e a rotulagem. Finalmente, a prova, quando o vinho chega ao seu consumidor final, a importância do serviço, do próprio copo, do acompanhamento, da companhia, do ambiente…

Podemos pois dizer que, enquanto a vinha é normalmente associada a ambientes de carácter rural, o vinho anda mais associado a ambientes urbanos. É a separação – necessariamente complementar – que existe também entre a produção e comércio.

Ouvimos muitas vezes falar em “Cidades do Vinho”. Trata-se de cidades que têm no vinho o seu principal produto de afirmação e de promoção. A economia e a cultura locais são marcadas de forma determinante pelo ciclo do vinho. Na ligação ao território envolvente, na estrutura do emprego, no comércio, nos usos e costumes, na simbologia municipal, a vinha e o vinho mostram, com todo o vigor, o seu papel e a sua importância para o desenvolvimento dessas mesmas cidades. Ora, quando os municípios têm num só produto o seu principal elemento motor, dificilmente têm uma dimensão urbana relevante – sobretudo se estivermos a falar de um produto de natureza agrícola e rural (é claro que temos sempre que ter em consideração a enorme variação que existe, de país para país, no que respeita à classificação administrativa). Já quando as cidades têm uma dimensão relevante, mesmo nos casos em que o vinho é uma referência identitária – as cidades do Porto e de Bordéus surgem-nos como os exemplos mais paradigmáticos e talvez únicos no mundo, não só pelas suas especiais características urbanas, como pela sua íntima ligação ao território vitícola que lhes está associado – têm de estar libertas de uma classificação de “Cidades do Vinho”, a qual assenta num só produto. Ou então, esse epíteto é apenas um mero adereço. Com efeito, a dinâmica económica, social e cultural destas cidades adquire necessariamente um estatuto multifacetado e não dependente. Nesse caso, a sua organização e o seu planeamento têm de incluir estratégias diversificadas, animadas por um conjunto eclético de agentes, tornando-se pólos dinamizadores e estruturantes da região. O vinho pode sempre ser um elemento de animação e dinamizador da cidade e da região. Pode até ser um elemento de grande valia, determinante mesmo para a sua projecção no país e no mundo. Tudo depende da sua efectiva adopção pela cidade e pelos seus agentes. O que tanto pode acontecer por condições históricas ou culturais, como pela adopção de políticas voluntaristas nesse sentido.

As povoações – aldeias e vilas, tantas delas hoje elevadas a cidades na apressadamente transformada realidade administrativa portuguesa – que nasceram e cresceram tendo como condicionante um entorno rural e, mais especificamente vitícola são, essas sim e nesse sentido impróprio, “Cidades do Vinho”. Na verdade, penso que, nestes casos, em vez de “Cidades do Vinho”, seria bem mais adequado falarmos simplesmente… em “regiões vitivinícolas”.

Manuel de Novaes Cabral
blue Wine 22

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