quinta-feira, 16 de abril de 2009

Jardins Suspensos



A videira a quase tudo resiste: a temperaturas infernais e ao maior rigor da invernia (como se diz no Douro: “nove meses de Inverno e três de inferno”), tanto cresce em bons terrenos como nos mais arenosos, na lava ressequida de extintos vulcões ou no solo pedregoso, sem terra, dos socalcos do Douro. Há até quem diga que alguns dos melhores vinhos são produzidos nos terrenos mais difíceis… À vinha associamos normalmente a actividade económica que lhe é inerente, sobretudo através da produção e do comércio do vinho, mas também por via da uva de mesa ou, em menor escala, da uva-passa ou da transformação industrial em doçaria diversa. Contudo, a vinha tem uma mais-valia superior, que advém da sua capacidade de resistência aos solos e aos climas mais adversos: mantém a presença humana, através do seu cultivo, da sua transformação e do seu comércio, nas regiões mais inóspitas e impedindo a sua desertificação. Os dois factores evocados – a capacidade de resistência e a exploração económica – são determinantes para o combate à desertificação em numerosas e extensas áreas do planeta. Apesar de termos exemplos desta situação no território nacional (basta pensar nalgumas zonas do Alentejo, do Algarve, da Península de Setúbal e do próprio Douro), a sua extensão em nenhum caso é de relevo maior: podendo causar alguma perturbação local ou sectorial, não constitui uma preocupação nacional. Porém, mesmo à porta de casa temos um caso de grande relevo, pelo menos ao nível do equilíbrio peninsular: os áridos vinhedos de Castilla-la-Mancha, por muitos considerados como a mais extensa área plantada de vinha da Europa. Trata-se de uma zona de monocultura em extensão, fortemente ameaçada pela desertificação que, a acontecer, poderia ter efeitos e consequências imprevisíveis. A vinha é praticamente a única cultura que resiste, mantendo muitas famílias – também elas resistentes! – ligadas à terra e com alguma actividade económica dela decorrente. O abandono desse cultivo equivaleria à desertificação desse vastíssimo território. O que fazer? Por princípio, sou contrário a balões de oxigénio artificiais constituídos por recursos públicos distribuídos com pouco critério e sem estarem suficientemente sustentados em estudos de carácter económico e social. Não obstante, não podemos deixar de ser sensíveis à vida de tantas pessoas nestas condições tão difíceis, à necessidade de manter o território cultivado e, ao fim e ao cabo, aos efeitos que essa actividade tem junto da comunidade, de todos nós. A expressão “viticultura heróica” tem sido utilizada para classificar a actividade desenvolvida em condições particularmente difíceis, sobretudo pela inclinação do terreno e pelas dificuldades físicas. No entanto, face às condições descritas, tenho poucas dúvidas em utilizar essa tão expressiva definição àqueles que teimam em manter-se nesta actividade em condições também tão difíceis. Creio, pois, que é necessário encontrar formas de apoio – que não devem passar pelos meros subsídios, quase sempre redutores e criadores de condições artificiais e não sustentadas de mercado – a quem teima em desenvolver a sua actividade nestas condições dificílimas. Uma parte do seu esforço e investimento reverte para a comunidade, pela manutenção do equilíbrio do eco-sistema em vastas áreas do território. Por outro lado, uma visão integrada do território ajudaria a encontrar formas complementares de aumentar o rendimento – através, por exemplo, do enoturismo e do conjunto enorme de actividades que lhe estão associadas. A própria paisagem, em si, é cada vez mais um bem económico de primeira valia. Por isso, intitulei desta forma o presente artigo – “jardins suspensos” – pedindo emprestada a expressão a Jaime Cortesão, que tão bem a aplicou ao Douro: “… e o que fora a montanha deserta, tornou-se em jardins suspensos.”

Manuel de Novaes Cabral
blue Wine 16

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