domingo, 26 de abril de 2009

Os Construtores do Douro



Foi o Homem que, ao longo de séculos, desenhou essa paisagem. Esculpiu-a. Construiu os terraços em escadarias que se perdem nos céus – mesmo aqueles que estão hoje abandonados, depois das grandes pragas que devastaram o Douro, com a filoxera à cabeça. Transformou o xisto na cama onde as vinhas são plantadas e ganham raízes, absorvendo o calor, a humidade e o alimento de que necessitam para fazer crescer as uvas que são a matéria-prima de vinhos que dão “novos mundos ao mundo”.

Num encontro de culturas foram também rogados muitos espanhóis, sobretudo da Galiza e de Castela, para ajudarem nessa grandiosa obra colectiva. Vieram com as suas famílias. Penaram no esforço de construção dessa paisagem vitícola única. Os seus filhos cresceram nesse ambiente tornando-se, eles também, novos operáriosartistas. Vidas sucederam-se a mortes. Mortes sucederam-se a vidas. Receberam migalhas. Deixaram obra notável que, como é habitual, só foi verdadeiramente valorizada depois da sua morte. Os beneficiários e continuadores da sua arte são outros e de outros tempos.

Estamos perante uma obra que, sendo excepcional, é especial. A sua valia depende sobretudo de dois aspectos: da capacidade que os seus detentores têm para a preservar e das condições para lhe conferir valor acrescentado. A preservação é difícil. O melhor instrumento para que isso aconteça foi conferido em 2001 pela Unesco: a inscrição na lista do Património da Humanidade, como ”paisagem cultural evolutiva e viva”. Contudo, é preciso que os diversos responsáveis se entendam, que saibam o que querem, que acordem nos caminhos que lhes permitirão ganhar o futuro. A obra é colectiva, o caminho é colectivo. Ou não é caminho... A dispersão de objectivos só conduz à perda de capacidade de acção e à inacção.

O desafio é grande, sobretudo numa região que tem demonstrado uma grande dificuldade em se unir em torno de objectivos comuns. Contudo, o que está em causa é demasiado importante para que as pessoas e as instituições se percam em vulgares e estéreis discussões sobre protagonismos balofos. O importante é definir um rumo e seguir em frente, sem hesitações.

As condições para lhe conferir valor acrescentado dependem de todos. Dos indivíduos, das empresas e dos poderes públicos. É um caminho difícil, feito da soma das partes que, neste caso, pode ser bem maior do que a mera soma das parcelas.

Tratando-se de uma paisagem “evolutiva e viva” não pode ser estática. As pessoas não querem viver num museu, paradas, numa espera pasmacenta por eventuais visitantes. Têm de viver, têm de evoluir, têm de criar riqueza. Sem evolução não há preservação.

E a evolução convive bem com novos métodos e tecnologias aplicáveis à viticultura. A modernidade não é incompatível com a tradição. Tem é de ser bem aplicada, bem adaptada. Há que estabelecer, entre a tradição e a modernidade, um diálogo construtivo e enriquecedor.

Estamos perante uma região de quase monocultura, a vinha, hoje considerada como um elemento de grande valia para o turismo, que cada vez mais se quer de qualidade. O turismo é, manifestamente, outro instrumento de desenvolvimento do território.

Temos de ser capazes de complementar essa oferta com variedade de produtos, com animação, com actividades diversas que possam interessar e, por isso, “prender” quem nos visita. Temos de ser capazes de cruzar dinâmicas de oferta multidisciplinares e polifacetadas. Só sendo capazes de o fazer é que estaremos à altura da rica e notável herança que recebemos, a qual temos obrigação de preservar, de valorizar e de transmitir.

Manuel de Novaes Cabral
blue Wine 29

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