quinta-feira, 16 de abril de 2009

Totalitarismos ... ou a caminho da democracia do gosto



Neste campo, os últimos 20 anos foram demolidores, sobretudo no que respeita à imposição das castas, dos aromas e dos sabores. Mas, nem tudo foi mau. Aumentou exponencialmente a oferta, bem como o número daqueles que bebem vinho. Há maior qualidade em todas as fases do produto. A influência de alguns ditos “gurus” tornou-se dominante. Quase totalitária. Basta lembrar, apenas a título de exemplo, o nosso bem conhecido Michael Porter e a sua Monitor Company - “é preciso adaptar os vinhos ao gosto do consumidor internacional” - ou Robert Parker, com o seu sistema de pontuação dos vinhos publicado periodicamente na revista Wine Spectator. Se estes personagens tiveram inegáveis efeitos positivos, na divulgação e no consumo do vinho, têm também enorme responsabilidade no caminho feito para a sua uniformização – a que alguns chamam “parkerização” (Alice Feiring). Os consumidores procuram vinhos que correspondam a determinados parâmetros pré-definidos, que tendem a ser cada vez mais universais. É claro que esta atitude é, essencialmente, reflexo da ignorância e do consequente seguidismo. A falta de conhecimento e a dúvida conduzem os consumidores a refugiarem-se na opinião dos outros, sobretudo quando estes são reconhecidos pelos seus pares e, por isso, servem de aval ao seu aparente (mas serôdio) cosmopolitismo.

É conhecida a fórmula da “espiral do reconhecimento”. A afirmação de um determinado e pretenso valor é transmitida através da comunicação social especializada que, à falta de novos valores, vai repetindo, em cópia, as pessoas, as opiniões e as recomendações, num processo de sucessivo reconhecimento. Quando as afirmações são tidas como incontestáveis e universais qualquer crítica torna-se muito difícil de fazer e, mais do que isso, aparece como pouco credível. Em campos análogos, e por razões diferentes, são conhecidos casos desses, tais como a classificação do Guia Michelin para restaurantes ou o recente debate a propósito da cozinha de fusão que ocorreu na vizinha Espanha. Face a este “totalitarismo opinativo”, julgo que podemos enunciar um novo paradoxo aplicável ao sector: nunca houve tantos vinhos no mercado… mas nunca os vinhos foram tão iguais! O toque das trombetas aponta para um determinado sentido. O que é que acontece? Todo o exército se alinha nessa direcção. Até as diferenças outrora tão acentuadas, entre o Novo e o Velho Mundo, se esbatem. De facto, a oferta responde ao mercado, até porque o mercado é seguidista. Contudo, perde-se – e muito! – em originalidade, em diversidade e, acima de tudo, em autenticidade. Esse movimento de resposta à procura ocorre em toda a fileira e não apenas, como poderíamos ser levados a pensar, no que respeita às castas produzidas – sendo certo que neste aspecto reside a principal causa do abandono das castas autóctones, valor maior da tipicidade e da diversidade das regiões produtoras. Os tratamentos enológicos, apesar das limitações ainda existentes, permitem a aproximação do produto aos gostos dominantes. Não podemos esquecer que, de alguma forma, todo o consumidor é um crítico. E, para o ser de facto, precisa de ter uma “cultura do gosto”, o que também se aprende. Quanto mais conhecedor for, maior autonomia crítica terá, pelo que tenderá a procurar outros vinhos, outros sabores, outras combinações. Será mais exigente, procurando e percebendo o casamento entre o “terroir” e o vinho que consome. Para esse efeito, as palavras-chave são: qualidade, conhecimento e autonomia. Nesse estádio, estaremos perante uma verdadeira “democracia do gosto”.

Manuel de Novaes Cabral
blue Wine 28

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